Arquivo mensal: junho 2017

Relacionamentos em tempos de crises

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O que podemos oferecer de melhor para o outro, mesmo em época de crises? (Fotografei em Maringá, MG).

Esse foi o tema do debate em um programa de rádio do qual participei. Há várias vertentes das crises, que podem se entrelaçar:

  • Revisões pessoais (“É isso mesmo que eu quero para minha vida?”);
  • Dúvidas com relação à parceria (“Será possível revitalizar essa relação tão desgastada, ou é melhor partir para outra?”)
  • Reflexos da crise do contexto (“Com a recessão e a instabilidade política, a gente vive estressada e a paciência acaba”). A incerteza do cenário político/econômico, o alto índice de desemprego e o medo de perder o trabalho que ainda tem desestabilizam muitos relacionamentos.

A crise que enfrentamos no presente parece maior do que as que já atravessamos no decorrer da vida. Mas nem sempre é o que acontece. Por isso, vale lembrar de acontecimentos do passado em que superamos desafios significativos e refletir sobre eles:

  • Que recursos foram utilizados? Como recorrer novamente a eles, além de formular novas estratégias para enfrentar a crise atual?
  • Que tipo de ajuda foi mais eficaz no passado? A quem podemos recorrer agora?
  • O que poderemos fazer para fortalecer a cumplicidade, a solidariedade, a ajuda recíproca?

Convém evitar mergulhar em lamentações, culpar, criticar, reclamar, queixar-se. Isso gasta a energia que precisa ser utilizada para atacar o problema, e não as pessoas. Por exemplo, flexibilizar as funções dentro de casa (quem faz o quê, quando um dos membros da família ficou desempregado); reorganizar o orçamento, criar alternativas; usar a criatividade e a capacidade amorosa para manter a chama afetiva acesa, apesar das intempéries.

Casais que passaram por várias crises e permaneceram juntos  fizeram vários casamentos dentro do mesmo casamento, modificando pactos e acordos de convivência na medida em que as mudanças vão se apresentando a cada nova etapa do ciclo vital ou a partir do inesperado. “Sou casada há 40 anos e não posso dizer que conheço meu marido”, disse uma participante de um grupo de mulheres que coordenei. E não conhece mesmo! Da mesma forma que também é impossível conhecer inteiramente a nós mesmos. Novos aspectos do outro e de nós vão se revelando na sequência dos acontecimentos. Nós nos surpreendemos  conosco e com aqueles com os quais convivemos (para o bem ou para o mal).

E em tempos de “amor líquido”, como dizia Bauman? A paixão tem prazo de validade, pode ou não conduzir ao caminho do amor. Na vitrine virtual, muitos escolhem parceiros pelos aplicativos de paquera como se fossem produtos a serem consumidos e rapidamente descartados. Vale refletir:

  • Em que posso contribuir para formar e estabilizar um relacionamento?
  • Fico esperando tudo do outro?
  • Estou muito exigente e pouco tolerante?
  • Insisto no padrão de sair com várias pessoas, eternamente na fase de “triagem”, sem conseguir formar um vínculo mais significativo por alimentar a ilusão de encontrar alguém melhor no contato seguinte?

Sobrecarga

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Não repartir tarefas resulta em sobrecarga e exaustão (Fotografei essa obra do escultor australiano Ron Mueck no MAM-RJ).

“Quando os pais não dão trabalho para os filhos, os filhos dão trabalho para os pais” – disse a mãe de cinco filhos que colaboravam com ela enquanto pedia para um deles pegar uma garrafa de água mineral para mim na birosca de uma comunidade ribeirinha no interior da Amazônia.

Em outra ocasião, quando eu trabalhava como voluntária com um grupo de mulheres em uma comunidade do Rio de Janeiro, uma delas contou para o grupo como agiu para parar de reclamar porque seus filhos, adolescentes e adultos, não colaboravam com as tarefas domésticas: “Comecei com as garrafas de água que ninguém enchia para guardar na geladeira. Peguei uma garrafa térmica com água gelada só para mim e escondi no armário do quarto. Quando eles perceberam que não tinha mais água gelada, reclamaram de mim. Respondi que isso era só o começo, que eu pretendia parar de fazer outras coisas em casa. Ficaram revoltados, mas, pouco a pouco, começaram até a lavar a roupa e fazer comida”.

Outra foi mais radical: trabalhando em horário integral, chegava em casa e encontrava o marido desempregado e os filhos adultos esperando que ela fizesse a comida, limpasse a casa e cuidasse da roupa de todos. “Como estou sustentando todos vocês, decidi me aposentar dentro de casa. De hoje em diante, só trabalho fora. Aprendam a se virar”!

Não é fácil resistir à pressão das críticas, cobranças e acusações. Exigir demais de si mesma, juntamente com o sentimento de culpa e a crença persistente de que a mulher é a responsável pelas tarefas domésticas (mesmo sendo a única ou a principal provedora) são fatores que alimentam a perpetuação da sobrecarga.

Quando converso com pais que se queixam de sobrecarga porque os filhos não participam das tarefas domésticas ou não administram bem o dinheiro da mesada, a primeira pergunta é: “O que vocês estão oferecendo ou fazendo a mais do que seria recomendável”?

“Quero fazer tudo pelos meus filhos” leva à sobrecarga dos pais que se desdobram em ações para satisfazer desejos e demandas e oferecem incontáveis mordomias, deixando de lado a necessidade de educar para a responsabilidade e a colaboração. Os filhos se acham com mais direitos do que deveres, pensam que devem ser servidos pelos pais. Acham que não precisam arrumar a cama, lavar a louça, fazer comida, manter a casa limpa ou, minimamente, guardar os próprios pertences em vez de deixá-los espalhados pelo chão.

Para refletir:

  • Se a casa é de todos, todos colaboram. Como fazer acordos de bom convívio no espaço coletivo?
  • Se estou com sobrecarga, o que posso deixar de fazer?
  • Como posso agir de forma mais eficaz, em vez de reclamar, cobrar e me queixar?