Arquivo mensal: setembro 2014

Resistência à mudança

El Capitán, o maior monólito do mundo, que fotografei no Yosemite National Park, Califórnia.

El Capitán, o maior monólito do mundo, que fotografei no Yosemite National Park, Califórnia.

Edna frequentemente diz que está exausta, mas prefere que o marido e os filhos acumulem copos e pratos sujos na pia da cozinha, afirmando que nem a máquina de lavar louça lava melhor do que ela. Sofre, mas não abre mão do controle e do poder que exerce na administração da casa.

“Tenho minhas convicções”, afirma Fabiano nas conversas com amigos e colegas de trabalho quando questionam sua recusa sistemática para rever ou reavaliar suas posições. “Não dou o braço a torcer” revela orgulho, vaidade, inflexibilidade, rigidez, medo de perder suas próprias feições com possíveis mudanças, até mesmo de uma simples opinião. Maria Lúcia, companheira de Fabiano, ainda mantém a esperança de convencê-lo a mudar, apesar de, a cada conversa ou discussão acalorada, ele afirmar que é “assim mesmo” e que ela tem de aceitá-lo do jeito que é. Diante de tantos impasses, Maria Lucia acumula insatisfação nesse relacionamento, mas teme aventurar-se por territórios desconhecidos. Então, mesmo desalentada e frustrada, permanece com Fabiano.

A casca grossa da resistência à mudança tenta esconder a fragilidade e o medo de perder o território conquistado. Ficamos imobilizados em aparentes certezas, reprimindo o desejo de construir novos caminhos na medida em que a vida apresenta diversas possibilidades.

Bené Brown é uma professora da Universidade de Houston que pesquisa vulnerabilidade, vergonha e coragem. Em sua excelente palestra TED sobre o poder da vulnerabilidade, ela diz que precisamos criar coragem para realmente acreditar que somos imperfeitos. Ao acolher nossa fragilidade, em vez de lutar contra ela, desenvolvemos compaixão para conosco mesmos e para com os outros. É o poder da vulnerabilidade que nos permite ousar ser criativos e entrarmos em relacionamentos afetivos profundos, sem esperar qualquer tipo de garantia. Quando lutamos contra nossa fragilidade, tentamos nos acolchoar contra o sofrimento e criamos resistência à mudança. Mas, como esse processo não é seletivo, acabamos também amortecendo a capacidade de sentir alegria, gratidão, felicidade.

Somos muito competentes para algumas coisas, medíocres para muitas outras e incompetentes para a maioria. Quando acolhemos dentro de nós a força e a fragilidade conseguimos caminhar melhor pelas trilhas da vida, em mundo vulnerável.

E, às vezes, temos de fazer escolhas ousadas

Vencendo o medo da mudança

Para sair da acomodação!

Minha filha pega dinheiro da minha bolsa!

Uma loja de guloseimas, difíceis de resistir, que fotografei na Bélgica.

Uma loja de guloseimas, difíceis de resistir, que fotografei na Bélgica.

Uma leitora do blog me sugeriu o tema, preocupada com a filha de sete anos, que pega dinheiro sem pedir nem dizer o que quer comprar.

A transição da lei do desejo (“eu quero agora!”) para a lei da realidade (“não posso ter tudo que quero”) é um processo que acontece aos poucos no decorrer da infância. Os limites claros e consistentes formam gradualmente a percepção do que nos pertence e do que pertence aos outros, ajudando a construir o freio interno que nos impede de avançar sobre os pertences alheios, mesmo quando nosso desejo é imperioso. Crianças pequenas querem levar para casa os brinquedos dos amigos ou da sala de aula. Choram contrariadas quando o desejo é frustrado e algumas tentam burlar a proibição pegando escondido.

Crianças maiores às vezes fazem o mesmo com o dinheiro, quando percebem que este é um meio para satisfazer seus desejos de comprar o que querem, mesmo que a consciência moral já esteja a caminho do desenvolvimento, indicando que esse comportamento é inaceitável. Como estão ligadas no que é veiculado pelos noticiários, chegam até mesmo a argumentar que isso não é grave, diante de tantos casos de corrupção e desvio do dinheiro público. Diante disso, muitos pais sentem dificuldades em transmitir a noção de certo e errado, colocando as consequências cabíveis quando essa conduta se repete.

Crianças maiores podem começar a estruturar disciplina financeira quando recebem uma pequena quantia semanal para suas compras. Mas, para isso, é importante que o dinheiro da “semanada” e, posteriormente, da “mesada” seja oferecido dentro dos critérios combinados. Se acabar antes do prazo, a criança ou o adolescente ficará sem ter o que comprar. Só encarando a frustração da “lei da realidade” será possível construir disciplina financeira, aprendendo a regular o próprio desejo. Muitos adultos não conseguem completar esse processo e vivem se endividando…

No entanto, quando pegar dinheiro escondido é uma conduta repetitiva, pode ser um sintoma que expressa outros tipos de sentimentos e desejos. Querer ser o centro das atenções, mostrar desse modo o ciúme do irmão que nasceu, a revolta pela separação dos pais, a inveja por não ter os mesmos pertences que os amigos. Conversar sobre esses sentimentos subjacentes pode ajudar a entender as reais necessidades que estão sendo reveladas pelo sintoma, abrindo caminho para construir “combinados” mais satisfatórios.

Gravidez não é doença, mas precisa de presença!

Um lago de carpas que fotografei em Sydney, Austrália.

Um lago de carpas que fotografei em Sydney, Austrália.

Felizmente, a maioria das gestações evolui normalmente, a criança nasce e se desenvolve bem! “Gravidez não é doença”, como muitos costumam dizer quando a mulher se queixa repetidamente de enjoo, vômitos, sono excessivo, aumento da irritabilidade, cansaço, alterações do desejo sexual, ansiedade com relação ao parto, medo de que o bebê nasça com problemas. Por outro lado, algumas gestantes que se sentem bem dispostas e cheias de vitalidade repetem essa frase quando se deparam com pessoas que querem convencê-las a reduzir o ritmo frenético de trabalho, a aliviar a sobrecarga da agenda social e a evitar atividades físicas exaustivas.

Mas a vida muda, e a gestante também, quando começa a “tecer uma nova pessoa”. Em vez de se assustar com a mudança a ponto de querer negá-la (“por que não posso manter o ritmo de sempre e continuar fazendo as mesmas coisas?”), pode celebrar essa mudança e gestar novos aspectos de si mesma enquanto um novo ser se desenvolve em seu útero.

Os estudos da neurociência e da psicologia pré-natal mostram, com clareza crescente, que a gestante está literalmente “tecendo” o feto, influenciando o seu desenvolvimento com as emoções que vivencia, com a beleza que contempla, com a nutrição que escolhe (os alimentos que ingere a cada refeição e também os relacionamentos afetivos com pessoas significativas), com a aceitação do ritmo e das transformações do corpo grávido.

O conceito de “feto competente” e o entendimento de que o cérebro é um órgão social mostra que os vínculos afetivos começam a se formar ainda na gestação. A riqueza sensorial se amplia no decorrer da gravidez, permitindo a interação do feto com a voz da mãe, com os ruídos do interior de seu corpo, e até mesmo com experiências pelas quais ela passa. A presença proporcionada pelos inúmeros momentos de conexão profunda constrói um sólido alicerce do vínculo amoroso, contribuindo para o bom desenvolvimento do feto e para o amadurecimento da mulher que está se gestando como mãe.

Sair do ritmo frenético de atividades incessantes abre oportunidades fantásticas de perceber a grandeza dos pequenos momentos em que a grávida mergulha em si mesma para fazer uma conexão com seu eu mais profundo e com o ser que habita suas entranhas. Conversar com o feto, cantar para ele, contar histórias, ou simplesmente se conectar com ele em silêncio afetuoso promove uma rica tecelagem de conexões neurais que forma os alicerces de uma pessoa sensível e empática. Por isso, “gravidez não é doença, mas precisa de presença”.

Redes sociais: uso responsável e autoproteção

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Os recursos tecnológicos são facas de dois gumes: podem ser usados para o bem ou para o mal. A conexão com uma multiplicidade de pessoas abre possibilidades de compartilhar informações, trocar ideias, combinar programas, formar grupos de interesse, fazer trabalhos colaborativos, expandir o ativismo social. Por outro lado, as redes de ódio e as associações malignas –  que promovem crimes e atos terroristas, estimulam preconceitos e intolerância com as diferenças –  também se disseminam velozmente.

Aplicativos que aparentemente garantem anonimato são atraentes, a princípio, para fazer confidências e revelar segredos que as pessoas não ousam confessar a ninguém; porém, mais comumente são utilizados para agressões pesadas, mensagens de ódio e intimidação.

Portanto, a conversa clara sobre uso responsável da tecnologia, percepção de risco e autoproteção precisa acontecer com frequência na família. Pesquisar junto com os filhos na internet relatos de casos de pessoas que sofreram ataques, perseguições e intimidações pode dar origem a reflexões úteis para o uso adequado desses recursos.

Como diz o ditado, é melhor prevenir do que remediar: pensar em conjunto as consequências de expor conteúdos inapropriados (fotos íntimas, informações que não devem ser dadas, adicionar aos contatos pessoas desconhecidas) é medida de cuidado e proteção. Mesmo assim, problemas acontecem e encarar as consequências de condutas impulsivas e impensadas é remédio amargo, mas inevitável.

“O que faço com o que fizeram comigo?” – os efeitos do cyberbullying variam para diferentes pessoas. Há quem fique desnorteado, deprimido, arrasado; outros superam o problema mais rapidamente. Depende também do tipo de agressão ou difamação: se é uma simples fofoca ou o compartilhamento de fotos/vídeos íntimos, como acontece nos episódios conhecidos como “pornografia de vingança”.

Os que praticam cyberbullying precisam arcar com as consequências de seus atos e fazer reparação de danos. Isso faz parte da aprendizagem do respeito pelo outro e da ética da convivência. Liberdade de expressão não inclui esse tipo de condutas.

Algumas escolas proíbem o uso do celular em sala de aula. Mas outras estão descobrindo a importância de incorporar esses recursos tecnológicos na prática pedagógica. Isso será cada vez mais importante para educar os “nativos digitais”, na medida em que o professor está deixando de ser um transmissor de conteúdos para ser um mediador de conhecimentos, estimulando a reflexão crítica e a organização dos conteúdos pesquisados.

Os recursos tecnológicos são tão atraentes que é difícil para a imensa maioria das pessoas (crianças, adolescentes e até mesmo adultos) limitar o tempo de uso para que não prejudique outras atividades e compromissos. Por isso, é preciso que se façam acordos para ajudar a construir a autorregulação. Crianças pequenas precisam ter limites firmes para o “tempo de tela”. Na medida em que crescem, podem aprender gradualmente a tomar conta de si mesmas, e, desse modo, ter mais acesso aos recursos da tecnologia.