Arquivo mensal: março 2016

Reconstruções, redefinições e novos significados

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No ciclo de cada dia, mudanças e redefinições acontecem. (Fotografei em Jericoacoara CE).

A conversa sobre esse tema com um grupo de amigos teve como ponto de partida comentários sobre o filme O quarto de Jack, que narra a história de uma mulher mantida em cativeiro, e que engravida de seu sequestrador. Precisa reconstruir e redefinir sua vida para cuidar do desenvolvimento do filho da melhor forma possível em circunstâncias tão terríveis. Quando, finalmente, consegue fugir com o menino, então com cinco anos, ambos precisam reconstruir, redefinir e dar novos significados à vida a partir do contato com o mundo fora do quarto. Tarefa que se revela mais difícil para a mãe do que para a criança, e que também envolve a reconstrução e a redefinição dos vínculos com a família extensa após sete anos de convívio interrompido.

Nos relacionamentos afetivos, perdas e separações também acarretam reconstruções e redefinições. Há casais que, diante do desemprego de um deles, redefine funções no cuidado da casa e dos filhos, além de reconfigurar o orçamento doméstico. Nos casos de divórcio e viuvez, a família passa pelo processo de reconstrução e redefinição da composição familiar. É preciso investir esforços para construir bons caminhos a partir dessas mudanças, em vez de gastar energia vital em queixas e lamentos que prolongam o sofrimento e nos afundam na imobilidade.

A vida nos apresenta uma diversidade de problemas e desafios a serem enfrentados. Casos de superação para encontrar novos rumos a partir de um acidente, como o que aconteceu com um jovem que sofreu amputação de suas pernas e conseguiu ser atleta. Um número crescente de refugiados de países em guerra, barrados nas fronteiras, deportados, buscando rotas alternativas que demandam semanas de caminhadas em regiões inóspitas, movidos pela esperança de redefinir suas vidas. Cidades e países devastados que precisam se reconstruir após guerras ou desastres climáticos.

É preciso cultivar a flexibilidade para fazer os ajustes necessários, para não enrijecer no lugar do qual acredita não poder sair, como aconteceu com um livreiro que, ao acumular prejuízos, teve de fechar sua livraria e, deprimido, afirmava não saber fazer outra coisa na vida, nem mesmo vender livros em praças. Milhares de pessoas que subitamente perdem seus empregos e não conseguem se recolocar na mesma área precisam redefinir caminhos de trabalho, como acontece com muitos taxistas e outros prestadores de serviços.

Fechar um ciclo, abrir outro: no decorrer da vida, muitos escolhem voluntariamente mudar de rumo, redefinir metas, encontrar novos significados. Uma amiga querida encerrou seu ciclo como psicoterapeuta e passou a criar orquídeas. Em viagens a santuários ecológicos, como a Chapada Diamantina e a Chapada dos Guimarães, conheci alguns donos de pousadas e restaurantes que eram executivos do mercado financeiro: escolheram viver fora do estresse dos grandes centros urbanos e da enorme pressão que seus cargos lhes impunham para viver em contextos que lhes propiciam maior tranquilidade e a possibilidade de viver melhor com menos dinheiro.

Nas teias do amor e do sexo

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O que nutre e o que prejudica o relacionamento amoroso? (Fotografei em Pacoti, CE)

Esse foi o tema de um trabalho de grupo que coordenei com minha filha, que é médica ginecologista. Para abrir a conversa, a leitura de “Calmaria”, um dos textos de nosso livro Palavra de mulher, que aborda a questão de um casal com quarenta anos de convivência, em que ela relata que sente “preguiça de fazer sexo”, embora sinta prazer em abraçá-lo no sofá da sala, saborear o chá quente que toma sem pressa, sentir a água morna deslizando pelo corpo na hora do banho.

Em alguns relacionamentos duradouros, o sexo passa a ser menos importante do que o prazer da companhia, a cumplicidade, a história construída, os interesses em comum, a possibilidade de se divertirem juntos. Mas há casais maduros em que o sexo continua sendo muito prazeroso, em especial quando se abre espaço para refinar a sensualidade e o erotismo com criatividade, estimulando o tato, a visão, a audição, o paladar e o olfato com toques, carícias, massagens com óleos aromáticos à luz de velas, que criam um ambiente acolhedor e abre múltiplos canais de prazer sensorial.

Outro tema importante foi ver como cada um cuida da relação, como um “terceiro elemento” construído pela interação que brota da individualidade de cada um. É mais comum reclamar, criticar e cobrar do outro o que achamos que precisaria acontecer para melhorar a qualidade do relacionamento, em vez de perguntar a si mesmo: “Como estou contribuindo para nossas dificuldades e o que posso fazer para melhorar nossa comunicação”? Como cada um cuida ou descuida da relação? Em vez de, enraivecidos, trocarem acusações recíprocas, como podem perceber o que fazem para criar um convívio infernal e assumir a responsabilidade por suas próprias ações?

Mágoas, ressentimentos, frustrações, decepções e maus tratos esfriam o prazer de estar juntos. Controle e ciúme excessivo refletem insegurança e medo de perda, tolhendo a liberdade e a individualidade do outro. Esperar do outro mais do que ele pode oferecer (“ele é meu marido, meu pai, meu irmão, meu amigo”) é caminho certo para a frustração e a insatisfação.

Um relacionamento construído com o amor que se expressa em cuidados recíprocos e cooperação inspira uma sexualidade em que há uma rica troca de energias profundas e sutis que nutre alegria e bem-estar.

Sim, pode haver amor sem sexo e sexo sem amor. Acontecem relacionamentos paralelos, em diferentes níveis de afeto e de prazer sexual. Há os adeptos do “swing” que, dessa forma, “apimentam” o casamento. Há os que vivenciam o poliamor, construindo uniões estáveis com mais de duas pessoas. As teias do amor e da sexualidade são multifacetadas.