Arquivo mensal: abril 2014

Filhos ingratos

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– Essa foi a última viagem com meus filhos. Chega! – desabafou Érica, as lágrimas rolando pelas faces, com um misto de raiva, tristeza e frustração.

– E, se em vez de desistir de viajar com eles você delegasse toda a pesquisa para os três? Você apenas aprovaria o resultado final, a mão de obra ficaria com eles, que navegam na internet muito melhor do que a gente! – ponderou a amiga que ouvia o desabafo.

Érica ficou pensativa, o olhar fixo em um ponto no alto da parede da sala. Estava exausta após duas semanas de férias ouvindo reclamações por conta dos voos e dos hotéis que ela reservara. As cenas da viagem bailavam em sua mente: o mau-humor e as brigas entre os três durante os passeios; o total desinteresse de acompanhá-la para visitar museus e exposições; os pedidos incessantes para comprar mais uma roupa, pares de tênis, bolsas, mochilas e eletrônicos. A sensação dolorida de que, por mais que se esforçasse, não conseguiria deixar os filhos satisfeitos. A tristeza de, em nenhum momento, ouvir uma palavra de agradecimento e de reconhecimento pelo que ela proporcionara.

– Talvez eu tenha oferecido coisas demais desde que eles eram pequenos. Ficaram mal acostumados… Recebi tão pouco de meus pais, nada de viagens, nem de roupas bonitas. Mas eu dava muito valor às poucas coisas que ganhava. Vivíamos com poucos recursos. Então, eu agradecia, reconhecia o esforço deles.

– Agora você se mata de trabalhar para manter um bom padrão de vida e eles não estão nem aí pra você – retrucou a amiga. – É, pensando bem, talvez seja melhor viajar sozinha nas próximas férias!

Vejo isso acontecer em muitas famílias. Preocupados em “dar o melhor”, muitos pais não valorizam a cooperação, a partilha de tarefas e de responsabilidades. Afinal, se a casa é habitada por todos, cuidar do espaço coletivo é dever de todos. Cultiva-se pouco o hábito de agradecer o que é recebido, como se o simples fato de “ser filho” garantisse todos os direitos e nenhum dever. Os filhos crescem achando que os pais possuem recursos inesgotáveis, e devem estar sempre prontos para atender às solicitações incessantes. As eventuais recusas dão margem a reações explosivas, e a sensação de insatisfação torna-se crônica. Os pais que continuam fazendo “mais do mesmo” também ficam insatisfeitos, frustrados e decepcionados com tanta exigência e ingratidão.

A boa notícia nesse cenário desolador é que nunca é tarde para alterar padrões de relacionamento quando nos determinamos a começar a mudança dentro de nós. Todos temos muito a fazer para tentar melhorar esse mundo. Não dá para crescer achando que o mundo nos deve benefícios!

Viagem de férias, estresse, superproteção.

 

 

 

Sou uma “obra em progresso”!

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No decorrer de toda nossa vida, somos uma “obra em progresso”. Pela neurociência, já sabemos que nossas conexões neurais são feitas e refeitas “do berço ao túmulo”, em função das experiências pelas quais passamos e da qualidade dos vínculos que construímos.

Quando estabelecemos metas de mudança, é importante valorizar os pequenos passos, ousar vencer o medo de explorar territórios desconhecidos, e encarar o desafio de realizar ações concretas no rumo da meta desejada: “Quero vencer a timidez e aumentar meu círculo de amigos”; “Meu objetivo é falar fluentemente três idiomas”; “Quero planejar melhor minhas finanças para não ficar endividado”.

Mesmo quando a meta é expressiva, como a que foi estabelecida pelo povo que construiu Petra escavada na rocha há mais de dois mil anos (fiquei impressionada quando fotografei essa cidade!), é importante valorizar e celebrar a conquista de cada pequeno passo na direção do objetivo. “É difícil, mas não é impossível!”: isso nos encoraja a persistir, e nos anima a vencer os obstáculos.

O processo de desenvolvimento pessoal é estimulado pelo desejo de mudança. “Sempre fui assim, não vou mudar, e quem quiser que me ature do jeito que eu sou!”: quem diz isso está limitando opções de vida e fechando caminhos de relacionamento. Não podemos mudar quem não quer se modificar. No entanto, quando mudamos nossa própria postura em um relacionamento difícil, o circuito interativo será alterado: o que fazemos influencia o que o outro faz, e vice-versa. Olhar para nós mesmos e para nossos relacionamentos como uma “obra em progresso” é um convite à mobilidade, a ações criativas e ao exercício do nosso poder de tomar iniciativas para efetuar as mudanças desejadas, saindo da postura paralisante de repetir incessantemente as mesmas queixas e reclamações.

Conflito pode ser bom!

ImagemAs pessoas diferem em valores, desejos, necessidades, percepções. Em alguns momentos, entram em choque. Porém, diferenças e discordâncias nem sempre são sinônimos de incompatibilidade. O conflito ocorre quando as duas partes acham que suas necessidades não podem ser satisfeitas simultaneamente.

O que define o conflito como destrutivo ou construtivo é a nossa maneira de lidar com ele. O conflito pode resultar em brigas crônicas e em escalada da violência; por outro lado, pode ser terra fértil para criar boas soluções. Como desenvolver habilidades para transformar conflitos destrutivos em caminhos construtivos para harmonizar diferenças e criar soluções satisfatórias para todos?

Há pessoas, famílias, grupos e organizações que escolhem fugir do problema; ou preferem fazer concessões na esperança de que os problemas desapareçam; ou recorrem à opressão e ao abuso do poder. Outras pessoas preferem os meios não-violentos de resolver conflitos: constroem consensos, harmonizam as diferenças e negociam acordos satisfatórios para todos.

Para isso, é preciso ter habilidade para separar as pessoas do problema. Em outras palavras, aprender a atacar o problema sem atacar as pessoas. Quando as pessoas gastam energia se atacando, a briga torna-se interminável e o problema que elas querem resolver permanece sem solução.

A solução de conflitos depende, em grande parte, da clareza e da eficácia da comunicação. O recurso fundamental é saber escutar com sensibilidade e atenção. Transmitimos à outra parte que entendemos seus pontos de vista e, com isso, construímos confiança e uma relação de respeito mútuo, apesar das discordâncias.

A habilidade de fazer perguntas também é fundamental, para mapear o território do conflito, ir mais a fundo na compreensão da visão que cada um tem do problema, compreender os sentimentos envolvidos e possibilitar sua transformação.

Conflito é bom quando nós

Buscamos a solução

Que mais possa combinar

As diferenças entre nós.

Transformando obstáculos em caminhos

Nesse blog, espero compartilhar ideias e reflexões sobre relações familiares, desenvolvimento pessoal, gestão de conflitos e construção da paz. Mas não quero me restringir somente a esses tópicos: estou receptiva a outros temas que despertem o interesse da nossa rede de contatos!

Sou fascinada pela riqueza, sutileza e complexidade das redes de relacionamento em famílias, escolas e organizações. Gosto de ver as pessoas (inclusive eu mesma!) se desenvolvendo no decorrer da vida, transformando obstáculos em caminhos, encarando os desafios, criando novos recursos de ação, fazendo e refazendo projetos de vida, sem permitir que o medo da mudança sufoque o desejo de explorar novos territórios.

Sinto preocupação, tristeza e indignação quando vejo que as redes de relacionamento abrigam ódio, vingança, violência, injustiça, corrupção. Sinto alegria e esperança quando vejo que as redes de relacionamento também abrigam amor, ternura, cooperação, respeito, solidariedade e criatividade para promover ações inovadoras, mesmo em circunstâncias desfavoráveis ou precárias.

Entendendo a paz como uma construção diária para cuidar bem de nós mesmos, dos outros e do ambiente em que vivemos, vejo que todos nós temos aspectos sombrios e luminosos. Somos livres para escolher o aspecto que predominará dentro de nós: se vamos cultivar a paz, ou semear ódio e destruição.

Algumas décadas de vida, a experiência como psicoterapeuta de famílias e o trabalho com comunidades que vivem em condições precárias me mostraram que há crianças que crescem bem apesar de não contarem com famílias amorosas e bem estruturadas, ou apesar de viverem em cenários predominantemente violentos. Por outro lado, vejo adolescentes e jovens adultos extremamente egocêntricos, prepotentes, desrespeitosos e preconceituosos, apesar de pertencerem a famílias bem constituídas, frequentarem boas escolas e terem ótimas condições de vida. Convencidos de que possuem o direito de usufruir todos os privilégios, não expressam reconhecimento nem gratidão pelo que recebem, e em nada contribuem para o bem-estar familiar e comunitário.

Há muitos obstáculos a serem transformados em caminhos que nos conduzam a melhores condições de vida. É preciso ter persistência, determinação e fé para alcançar as metas que nos propomos como indivíduos e como membros da Família Humana, no infinito processo de evolução.