Arquivo mensal: maio 2014

“Essa profissão não vai te dar dinheiro!”

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Com a preocupação de verem os filhos “bem-sucedidos”, muitos pais se opõem veementemente quando eles escolhem profissões que não são bem remuneradas no mercado de trabalho. Para evitar mergulhar em uma crise familiar de grandes proporções, é importante examinar em conjunto algumas questões.

Em primeiro lugar, diante dos milhares de caminhos possíveis, muitos adolescentes se sentem perdidos para escolher uma profissão. Convém lembrar que não é preciso fazer uma escolha definitiva: muitos mudam de rota no decorrer do tempo até encontrar uma área de estudo/trabalho com a qual se identificam. Isso não significa que os pais fiquem eternamente disponíveis para sustentar o filho, quando este resolve passar muitos anos “estudando para o concurso” ou migrando de um curso para outro porque “não é bem isso que ele quer”, sem nada concluir.

Em segundo lugar, examinar o conceito de “bem-sucedido”. Para uns, é quem ganha muito dinheiro, mesmo que odeie as segundas-feiras porque precisa encarar mais uma semana de trabalho insatisfatório, exaustivo ou terrivelmente estressante, apesar de bem remunerado. Para outros, bem-sucedido é quem trabalha com prazer e encontra um sentido maior naquilo que faz. A gratificação financeira pode não ser das melhores: outros tipos de ganho são mais significativos.

Em terceiro lugar, escolher o estilo de vida. Aqueles que aderem à corrente da “simplicidade voluntária” resistem ao apelo da sociedade de consumo, consideram que “tempo é melhor do que dinheiro” e conseguem “viver mais com menos”. É claro que as escolhas que fazemos incluem renúncias. Conheço pessoas que, após anos de dedicação exclusiva ao trabalho, declararam que se sentiram mais felizes quando mudaram a definição de “bom padrão de vida”, cortaram despesas que passaram a considerar como supérfluas, decidiram ter mais tempo para a família e para si mesmos, mudaram de profissão e de local de moradia.

O essencial é desenvolver o espírito empreendedor, para visualizar as oportunidades que surgem e criar condições de aproveitá-las. Nem sempre é necessário entrar para a universidade. Há grande demanda de profissionais de nível técnico e, para muitos, esse caminho traz satisfação pessoal e muita demanda de trabalho. Vivemos em um mundo que não oferece garantias: muitos que se formaram e até concluíram a pós-graduação acabam trabalhando em áreas que pouco ou nada se relacionam com o que estudaram por tantos anos.

A conversa em família em que os diferentes pontos de vista podem ser respeitosamente ouvidos pode propiciar uma definição mais clara de escolhas, renúncias e responsabilidades assumidas por pais e filhos. Quando o filho escolheu trabalhar com carga horária menor ou com ganhos financeiros modestos, os pais não devem assumir a responsabilidade de oferecer um padrão de vida que ele não pode ter por conta própria. Encarar as consequências das próprias escolhas faz parte do desenvolvimento pessoal.

O que podemos reaprender cuidando de crianças pequenas?

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Ao contrário do que se pensava há algumas décadas, nosso cérebro neuroplástico continua gerando novos neurônios e diferentes conexões entre eles durante toda a nossa vida. Isso nos permite efetuar mudanças em nós mesmos e em nossas redes de relacionamento, aprender, desaprender e reaprender continuamente.

Nos primeiros anos de vida, as experiências que se sucedem desde a vida intrauterina e a qualidade dos vínculos que se estabelecem entre a criancinha e as pessoas que cuidam dela interagem com a carga genética e constroem a arquitetura cerebral. Este processo de fazer e refazer as conexões neurais acontece no decorrer da vida, mas os alicerces de nossa saúde física e emocional são, em grande parte, construídos durante a gestação e os primeiros anos de vida.

Quem cuida de bebês e de crianças pequenas na família, na creche e na Educação Infantil participa da “tecelagem” desses novos seres, contribuindo para o seu desenvolvimento integral. Os adultos que investem em seu desenvolvimento pessoal encontram inúmeras oportunidades de reaprender coisas significativas cuidando das criancinhas e observando sua rápida evolução nos primeiros anos de vida.

Bebês e crianças pequenas demonstram curiosidade para explorar o mundo, se encantam com as novas descobertas e manifestam grande entusiasmo quando conquistam cada etapa de uma nova habilidade (sentar-se, dar os primeiros passos, empilhar peças de madeira ou de plástico para montar uma torre). Os adultos que se sentem entediados, insatisfeitos ou dizem que “não se interessam por nada” soterraram a curiosidade e o encantamento que um dia tiveram.

Nos primeiros anos de vida, há um vívido interesse pela aprendizagem. Embora a criança sinta medo e raiva desde os primeiros meses diante do que é desconhecido e do que frustra seus desejos, predomina o entusiasmo de explorar novos territórios e de criar competências. As criancinhas tentam acertar mesmo quando os erros se sucedem. Interiorizam a exigência de “fazer tudo certo” e o medo de errar a partir de mensagens veiculadas por pessoas da família e da escola, que criticam e punem os erros, em vez de considerá-los como parte integrante do processo de aprendizagem. Os erros podem motivar, em vez de desencorajar, novas tentativas e estratégias. Adultos paralisados pelo medo de errar podem reaprender com a criancinha a ousadia de continuar experimentando novos caminhos com a persistência necessária para alcançar o resultado desejado.

A alegria de crescer e de perceber o desenvolvimento de novas habilidades é marcante nos primeiros anos de vida das crianças saudáveis. Adolescentes desmotivados para construir seus caminhos de autonomia e adultos acomodados na “zona de conforto” precisam reativar essa energia da primeira infância, quando viviam intensamente seu processo de crescimento.

As criancinhas se entusiasmam quando percebem pequenos progressos, não pensam no tanto que ainda falta para “chegar lá”. Quando crescem, muitas se desencorajam quando pensam apenas que falta muito para tocar bem um instrumento, falar com fluência outros idiomas ou ser selecionado em um concurso com milhares de candidatos. Precisam reaprender o valor da persistência e da capacidade de se alegrar com cada pequeno passo conquistado, valorizando o processo, e não apenas o objetivo final.

Curiosidade, encantamento pelas descobertas, ousadia para experimentar novas possibilidades, alegria de crescer. Os adultos podem reaprender tudo isso e muito mais quando cuidam de bebês e de crianças pequenas!

 

A família grávida e as redes de relacionamento

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Embora a gestação aconteça no corpo da mulher cabe trabalhar com o conceito de “família grávida”. Há mudanças significativas no parceiro e nos que se preparam para serem irmãos, tios, avós, bisavós. Novos aspectos de nossa identidade são gerados quando recebemos uma nova pessoa no círculo familiar.

Vivemos inseridos em redes de relacionamentos, na família, na escola, no trabalho, no grupo social e, mesmo sem perceber, influenciamos uns aos outros. Qualquer pessoa que entre ou saia dessa rede altera sua configuração e seu funcionamento em maior ou menor grau.

Os seres que estão sendo gestados nascerão em diferentes composições familiares. Alguns são fruto de concepção consciente de um casal unido pelo amor. Outros são “planejadamente acidentais”, atendendo a um desejo inconsciente de ter filhos, mesmo quando predomina o pensamento consciente de que não seria o melhor momento para engravidar. Ainda outros não foram desejados nem poderão ser criados pela família biológica. Há os que viverão em famílias uniparentais, de recasamento, homoafetivas, de adoção.

As redes de relacionamento são dinâmicas: um ser concebido sem planejamento ou até mesmo sem desejo poderá ser uma criança capaz de conquistar afetivamente a família mais resistente. Um ser gestado em uma época de união feliz poderá sofrer abandono após uma separação tumultuada entre as duas pessoas que um dia se amaram, mas passaram a se odiar.

Encontramos (ou não) lares harmônicos em todos os tipos de organização familiar. Para construir uma boa qualidade de convívio, é preciso adotar no coração, até mesmo os filhos biológicos. Laços de sangue não garantem que as crianças cresçam bem. O essencial é o compromisso de amar e de cuidar, para que seja possível acompanhar o crescimento com carinho e atenção.

Os estudos da neurociência afetiva consideram o cérebro como um órgão social. Ao nascer, o bebê já é capaz de formar vínculos (que, na verdade, começam a ser construídos ainda na vida intrauterina) com as pessoas que cuidam dele. Não há família perfeita, e nem as crianças precisam disso. Mas o amor e o compromisso de cuidar pode permanecer sólido mesmo diante das crises inevitáveis, da sobrecarga de compromissos, dos sentimentos misturados, dos altos e baixos dos relacionamentos e dos demais obstáculos a serem enfrentados nos inúmeros desafios que a vida nos apresenta.

 

 

Como viver em um mundo conturbado?

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A série de palestras TED sobre o impacto das mudanças climáticas extremas mostra, por um lado, evidências assustadoras do ritmo veloz do derretimento das geleiras, a intensidade de furacões, enchentes e secas que afetam todo o planeta e suas consequências. Por outro lado, a mensagem otimista de palestrantes como Al Gore, Vicki Arroyo e James Balog revela que há condições de mitigar os efeitos dessas mudanças adversas, desde que tenhamos, coletivamente, o senso de urgência para fazer o que precisa ser feito, inclusive para pressionar a adoção de políticas públicas eficazes.

Alguns caminhos de ação indispensáveis: mudar hábitos de consumo; não desperdiçar recursos naturais finitos e cada vez mais escassos; fortalecer a resiliência pessoal, familiar e comunitária para enfrentar múltiplas adversidades, como o crescente fluxo migratório em decorrência dos desastres climáticos ou das guerras. A seção sobre os riscos globais do Relatório do Fórum Econômico Mundial de 2014 destaca as crises econômicas, a imensa desigualdade de renda, a escassez de água e de alimentos, o alto índice de desemprego e de subemprego entre jovens adultos como ameaças significativas à estabilidade social.

Esse mesmo Relatório, em 2013, apontou para a necessidade de fortalecer a resiliência global e a capacidade de adaptação para viver no atual estado do mundo. Sabemos, pela neurociência, que a arquitetura cerebral é esculpida, em grande parte, pela qualidade dos relacionamentos, e que a resiliência pode ser desenvolvida a partir dos primeiros anos de vida. Por isso, é essencial que as políticas públicas dediquem especial atenção às famílias no decorrer da gestação e da primeira infância. A parceria família-escola na Educação Infantil precisa ser bem estruturada para construir alicerces sólidos que favoreçam o bom desenvolvimento das novas gerações. Estas precisarão contribuir para viabilizar as enormes mudanças que se fazem necessárias, com ideias inovadoras, criatividade e visão sistêmica.

Link para as palestras TED:

http://www.ted.com/playlists/78/climate_change_oh_it_s_real?utm_content=awesm-publisher&utm_campaign=&utm_source=direct-on.ted.com&utm_medium=on.ted.com-twitter&awesm=on.ted.com_sm4M

 

Link para a síntese do Relatório do FEM 2014:

http://www.pewresearch.org/fact-tank/2014/01/23/world-economic-forum-survey-identifies-top-10-global-risks-for-2014/

 

Cuidado de menos, consumo demais

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Trocando ideias com uma médica de adolescentes e com a diretora de uma escola, a constatação inquietante: assim como eu, elas também observam, em muitas famílias, pouca disponibilidade para acompanhar o crescimento dos filhos com a devida atenção.

Há pais que não se dão ao trabalho de levar o filho ao pediatra, e jamais encontram tempo para comparecer às reuniões escolares. Curiosamente, não faltam recursos nem espaço na agenda para gastar em viagens e em incontáveis idas ao shopping para comprar supérfluos.

Adiam indefinidamente o início de tratamentos especializados, indicados pelo médico ou pela equipe escolar que percebe dificuldades de aprendizagem ou problemas emocionais. “É caro, vai sobrecarregar o orçamento doméstico”; “Isso vai passar com o tempo”. Mas o quarto do filho continua entulhado de brinquedos, roupas e aparelhos de última geração. As megafestas de aniversário não podem deixar de ser feitas: para isso não falta dinheiro.

Não há tempo para conversas, nem para o encontro familiar na mesa de refeições ou no sofá da sala. Além da sobrecarga de trabalho dos adultos e de atividades fora do horário escolar para as crianças e os adolescentes, há o apelo irresistível das redes sociais e de outros tipos de entretenimento dentro e fora de casa. “Trabalhamos muito para manter um bom padrão de vida”. O que é isso? É ter mais dinheiro para comprar coisas que, de fato, não são essenciais?

Tempo para abraçar, olhar nos olhos, conversar na hora de dormir. Estar atento às modulações do tom de voz, da expressão do rosto, da postura corporal. Captar o que não é dito com palavras. Cultivar os valores fundamentais do convívio (gentileza, cooperação, respeito pelo outro). Perceber que, ao entrar em casa com o cansaço de um dia de trabalho, é possível relaxar brincando ou conversando com os filhos, em vez de aliviar o estresse com um copo de bebida alcóolica na mão e o olho na tela da TV.

O ato de cuidar e de acompanhar o desenvolvimento – que se expressa em breves momentos, em pequenos gestos, na simplicidade do cotidiano – traz o encantamento de perceber como os filhos evoluem e como o vínculo se enriquece com a tecelagem amorosa do carinho essencial.

Ser é mais importante do que ter

É melhor ter tempo para conversar

Do que dinheiro para comprar o que mal vamos usar.